Vagando em versos

sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Não dá para viver sem um truque


Não dá para viver sem um truque. 
A noite, enquanto espera o sono
esboce novos planos que lhe tragam
se não a glória
pelo menos o suficiente
para continuar a fazer novos planos
para um amanhã.
Pode ser um amanhã simples
modesto, que seja apenas um amanhã.

Carlos Heitor Cony

Papel em branco




Fatigado esperas um dia
em que o tempo comece de novo.
O passado se esfumando por mágica
e voltas a ser prancheta vazia.
Tua vida rescrita
em límpido couche.
Aguardas teu dia de remissão,
teu segundo nascimento,
não um sinal no calendário,
mas um dia em que a vida exala
um ar de pureza e frescor
e as esperanças não resultam inúteis,
os problemas são objetos solúveis
e há um excelente motivo
para continuar a viver.
Que impulso te compele a esta busca,
a esse brilho nos olhos
que te faz tão humano
e nos faz tão iguais
na espera desse dia:
Quem não o espera?

Radamés Manosso

O Amor verdadeiro


terça-feira, 24 de outubro de 2017

Quando eu sonhava




Quando eu sonhava, era assim
Que nos meus sonhos a via; 
E era assim que me fugia
Apenas eu despertava
Essa imagem fugida
Que nunca pude alcançar.
Agora, que estou desperto
Agora a vejo fixar...
Para quê? - Quando era vaga
Uma ideia, um pensamento
Um raio de estrela incerto
No imenso firmamento
Uma quimera, um vão sonho
Eu sonhava - mas vivia:
Prazer não sabia o que era
Mas dor, não na conhecia...

Almeida Garrett

Poeira




Poeira leve, a vibrar as moléculas: poeira
Que um pobre sonhador, à luz da Arte, risonho
busca fazer faiscar: pó, que se ergue à carreira
do Mazepa do Amor pela estepe do Sonho.

Para ver-te subir, voar da crosta rasteira
da terra, a trabalhar, todas as forças ponho:
e a seguir teu destino, enlevada, a alma inteira
o teu ciclo fará, seja suave ou tristonho.

Não irás, com certeza, alto ou distante. O insano
pó não és que, a turvar o céu claro da Itália
traz o vento, a bramir, do deserto africano:
que és o humílimo pó duma estrada sem povo
Que, pisado uma vez, pelo ambiente se espalha
Sente um raio de Sol, cai na terra de novo.


Humberto de Campos

Consciência


segunda-feira, 23 de outubro de 2017

O Amor


Formosa Vênus


Formosa Vênus
filha do mar e do rei do Olimpo
 que ressentimento tens contra nós? 
Por que deste a vida a tal flagelo
Cupido, o deus feroz, impiedoso, 
cujo espírito corresponde tão pouco
 ao encantos que o embelezam? 
Por que recebeu asas e o poder de lançar setas
a fim de que não pudéssemos
safar-nos dos seus terríveis golpes?

Bíon

A lição é simples


*

A lição é simples.
Amar é viver ousando
acreditando que algo mais
pode ser feito.

Gabriel Chalita

domingo, 22 de outubro de 2017

A Toca da Serpente


A Quale strazio



a que tormento a vida me reduz
amor que obscuro o claro sol me prende
e no meu peito ao renascer acende
maior desejo da perdida luz!



beleza que a natureza nos produz
que tanto agrada a quem não dela entende
mais minha paz me tolhe e mais me ofende
que a mais quentes suspiros me conduz.



se verdes prados e se flores miro
privada de esperanças. me arreceio
pois reverdece a ideia daquel fructo



que a morte me colheu. Do grave seio
ela tirou brevíssimo suspiro.
e a mim deixou-me o amargo e eterno luto.


Vittoria Colonna

Trabalhos de amor perdidos


Mas o amor
primeiro aprendido em uns olhos de mulher
não vive sozinho fechado na cabeça
mas, com a agilidade de todos os elementos
corre com a rapidez de nossos pensamentos
e dá a cada faculdade dupla potência
acima de suas funções e seus ofícios.

Acrescenta preciosa visão aos olhos
Os olhos de um amante vêem mais longe que uma águia

Os ouvidos de um amante ouvem o mais tênue som
que passa despercebido ao ladrão cauteloso

O tato do amor é mais fino e sensível
que as sensitivas antenas do caracol

Ao paladar do amor desagradam os petiscos vulgares de Baco.

Pela coragem, não é o amor um Hércules
ainda galgando as árvores nas Hespérides?

Sutil como a Esfinge; doce e musical
Como o alaúde do brilhante Apolo
Encordoado com seus cabelos

E quando o Amor fala, a voz de todos os deuses
deixa os céus estonteados com a harmonia.

Nunca deve o poeta tocar um pena para escrever
Até que sua tinta seja temperada pelos suspiros do Amor.

William Shakespeare

Que vida!


A Eternidade



De novo me invade.
Quem? - A Eternidade.
É o mar que se vai
Com o sol que cai.

Alma sentinela
Ensina-me o jogo
Da noite que gela
E do dia em fogo.

Das lides humanas
Das palmas e vaias
Já te desenganas
E no ar te espraias.

De outra nenhuma
Brasas de cetim
O Dever se esfuma
Sem dizer: enfim.

Lá não há esperança
E não há futuro.
Ciência e paciência
Suplício seguro.

De novo me invade.
Quem? - A Eternidade.
É o mar que se vai
Com o sol que cai.

Arthur Rimbaud

Mors-Amor



Esse negro corcel, cujas passadas
Escuto em sonhos, quando a sombra desce
E, passando a galope, me aparece
Da noite nas fantásticas estradas

Donde vem ele? Que regiões sagradas
E terríveis cruzou, que assim parece
Tenebroso e sublime, e lhe estremece
Não sei que horror nas crinas agitadas?

Um cavaleiro de expressão potente
Formidável, mas plácido, no porte
Vestido de armadura reluzente

Cavalga a fera estranha sem temor:
E o corcel negro diz: "Eu sou a Morte!"
Responde o cavaleiro: "Eu sou o Amor!"


Antero de Quental

Que mimo!



Tu és morena e sublime
Como a hora do sol posto.
E, no crepúsculo eterno
Que te envolve o lindo rosto,
O céu desfolha canduras
De alvoradas e jasmins,
E passam roçando n'alma
As asas dos querubins...

Teu corpo que tem o cheiro
De cem capelas de rosas,
Que t'enche a roupa de quebros,
De ondulações graciosas,
Teu corpo derrama essências
Como uma campina em flor:
Beijá-lo!... fôra loucura;
Gozá-lo!... morrer de amor...


Tobias Barreto

Ninguém perde um amor


Tendência romântica


O Som


Cada som
nasce no silêncio
e morre 
no silêncio.

Eckhart Tolle

Perdoar


Perdoar
é não oferecer
resistência
à vida...
é permitir
 que a vida aconteça
através 
de você.

Eckhart Tolle

Nada é o que parece ser


Nada é o que parece ser.
O mundo que você criou e vê 
através da mente 
pode parecer
um lugar bem imperfeito
até mesmo um vale de lágrimas.
Mas o que quer que você perceba
é somente uma espécie de símbolo
como uma imagem em um sonho.

Eckhart Tolle

Brincar de Viver




A arte de sorrir
cada vez que o mundo diz: 
NÃO

Guilherme Arantes

Chuvas de cinzas


[...] 

Hora crepuscular - concepção e agonia,
hora em que tudo sente uma incerteza imensa,
sem saber se desponta ou se fenece o dia;

hora em que a alma, a pensar na inconstância da sorte,
fica dentro de nós oscilando, suspensa
entre o ser e o não ser, entre a existência e a morte.


Gilka Machado

A Vida tem dessas coisas




[...] 
Desde aquela noite
eu nunca mais me entendi
Você levou meu coração
Levou o meu olhar
Eu sigo cego e infeliz 
Querendo te encontrar

Pra conversar
Te convencer
Te confessar
Quero só você

[...] 

Sei que isso não tem importância
Pra você não faz sentido
mas a noite
aumenta a distância
Me perdi no teu caminho
me encontrei falando sozinho
sigo sempre sem destino
pra te encontrar

[...] 


[Nostalgia]

sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Lápide 1 - epitáfio para o corpo

*

aqui jaz um grande poeta.
nada deixou escrito.
este silêncio, acredito
são suas obras completas.

Paulo Leminski



Pink Floyd - Dark Side Of The Moon


Lápide 2 - epitáfio para a alma

**

aqui jaz um artista
mestre em desastres

viver
com a intensidade da arte
levou-o ao infarte

deus tenha pena
dos seus disfarces.

Paulo Leminski


Birdy - Shelter 

Devagarinho


            Devagarinho
            a gente 
            começa 
            a sentir 
            que algo 
            precisa ser feito.

            
                   Ana Jácomo

Se houver amor em sua vida


Abandono




Ai! 
Dessa noite o veneno 
Persiste em me envenenar
Oiço apenas o silêncio 
Que ficou em teu lugar 
E ao menos ouves o vento 
E ao menos ouves o mar.

* *

Amália Rodrigues

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Que estranha forma de vida


Foi por vontade de Deus
que eu vivo nesta ansiedade.
Que todos os ais são meus
Que é toda a minha saudade.
Foi por vontade de Deus.

Que estranha forma de vida
tem este meu coração:
vive de forma perdida
Quem lhe daria o condão?
Que estranha forma de vida.

Coração independente
coração que não comando:
vive perdido entre a gente
teimosamente sangrando
coração independente.

Eu não te acompanho mais:
para, deixa de bater.
Se não sabes onde vais
porque teimas em correr
eu não te acompanho mais.

Amália Rodrigues

Canção da Estrela Polar


Na estrada do Acaba-Mundo
somente a estrela polar.
Vi a morte: fui ao fundo.
Na estrada do Acaba-Mundo
nenhum mar.

Nenhum mar? Nenhum deserto.
Nenhum sopro, nem luar.
Longe, os anjos. Muito perto
o mundo, a meus pés aberto.
Nenhum mar.

Volta e meia a estrela ria.
De mim? De ti? Do luar?
O luar não existia.
Eu morrera. E a noite fria...

Somente a estrela polar.

Alphonsus de Guimarães Filho

Minha única diferença


Recordações


Presa do ódio






Da tu'alma a funda galeria
descendo às vezes, eu às vezes sinto
que como o mais feroz lobo faminto
teu ódio baixo de alcatéia espia.

Do desespero a noite cava e fria
de boêmias vis o pérfido absinto
pôs no teu ser um negro labirinto
desencadeou sinistra ventania.

Desencadeou a ventania rouca
surda, tremenda, desvairada, louca
que a tu'alma abalou de lado a lado.

Que te inflamou de cóleras supremas
e deixou-te nas trágicas algemas
do teu ódio sangrento acorrentado!

Cruz e Sousa

Floresce



Últimos Sonetos


Floresce, vive para a Natureza
para o Amor imortal, largo e profundo.
O Bem supremo de esquecer o mundo
reside nessa límpida grandeza.

Floresce para a Fé, para a Beleza
da Luz, que é como um vasto mar sem fundo
amplo, inflamado, mágico, fecundo
de ondas de resplendor e de pureza.

Andas em vão na Terra, apodrecendo
à toa pelas trevas, esquecendo
a Natureza e os seus aspectos calmos.

Diante da luz que a Natureza encerra
andas a apodrecer por sobre a Terra
antes de apodrecer nos sete palmos!

Cruz e Sousa 

quarta-feira, 18 de outubro de 2017

O Retrato fiel




Não creias nos meus retratos
nenhum deles me revela
ai, não me julgues assim!

Minha cara verdadeira
fugiu às penas do corpo
ficou isenta da vida.

Toda minha faceirice
e minha vaidade toda
estão na sonora face

naquela que não foi vista
e que paira, levitando
em meio a um mundo de cegos.

Os meus retratos são vários
e neles não terás nunca
o meu rosto de poesia.

Não olhes os meus retratos
nem me suponhas em mim.

Gilka Machado

Reflexão



Há certas almas
como as borboletas
cuja fragilidade de asas
não resiste ao mais leve contato
que deixam ficar pedaços
pelos dedos que as tocam.

Em seu voo de ideal
deslumbram olhos
atraem as vistas:
perseguem-nas
alcançam-nas
detêm-nas
mas, quase sempre
por saciedade
ou piedade
libertam-nas outra vez.

Elas, porém, não voam como dantes
ficam vazias de si mesmas
cheias de desalento...

Almas e borboletas
não fosse a tentação das cousas rasas
- o amor de néctar
- o néctar do amor
e pairaríamos nos cimos
seduzindo do alto
admirando de longe!...

Gilka Machado