Sei de uma criatura antiga e formidável
Que a si mesma devora os membros e as entranhas
Com a sofreguidão da fome insaciável.
Habita juntamente os vales e as montanhas
E no mar, que se rasga, à maneira do abismo
Espreguiça-se toda em convulsões estranhas.
Traz impresso na fronte o obscuro despotismo
Cada olhar que despede, acerbo e mavioso
Parece uma expansão de amor e egoísmo.
Friamente contempla o desespero e o gozo
Gosta do colibri, como gosta do verme
E cinge ao coração o belo e o monstruoso.
Para ela o chacal é, como a rola, inerme
E caminha na terra imperturbável, como
Pelo vasto areal um vasto paquiderme.
Na árvore que rebenta o seu primeiro gomo
Vem a folha, que lento e lento se desdobra
Depois a flor, depois o suspirado pomo.
Pois essa criatura está em toda a obra:
Cresta o seio da flor e corrompe-lhe o fruto
E é nesse destruir que as suas forças dobra.
Ama de igual amor o poluto e o impoluto
Começa e recomeça uma perpétua lida
E sorrindo obedece ao divino estatuto.
Tu dirás que é a morte; eu direi que é a vida.
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